
No primeiro artigo da série, falamos sobre a origem dos “drones” (mais tecnicamente, sistemas remotamente pilotados), e comentamos que iríamos nos aprofundar no tema em outros artigos. Neste trabalho, vamos analisar mais detidamente os drones aéreos.
Primeiramente, vamos destacar que conhecemos bem os termos técnicos VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados) e SARP (Sistemas Aéreos Remotamente Pilotados) utilizados pela FAB (Força Aérea Brasileira) e RPA (Aeronaves Remotamente Pilotadas), usado pela USAF (Força Aérea dos EUA), além de outros, mas vamos utilizar aqui o termo ‘drone’, por ser o mais conhecido do público em geral. Em inglês, os termos mais utilizado são UAV (o mesmo que VANT), UAS (o mesmo que SARP) e UCAV (SARP de combate, termo genérico empregado para os VANT que levam armas)
Em segundo lugar, pode-se classificar os mísseis de cruzeiro como uma categoria especial de ‘drones kamikaze’, ou seja, drones cuja função é ‘cometer suicídio ao atacar o alvo’, e destacar que muitas das características de drones e mísseis de cruzeiro se confundem, portanto é possível tratar ambos na mesma discussão. Apenas a título de definição, ao falar de ‘mísseis de cruzeiro’ aqui, estamos nos referindo a mísseis que voam, exclusivamente, dentro da atmosfera, e que seguem uma trajetória não-balística.
Finalmente, o uso de drones e mísseis de cruzeiro, até por atores sem as capacidades de um Estado, já demonstraram ter a capacidade de complicar imensamente qualquer planejamento defensivo, e também discutiremos isso neste artigo.
ORIGENS DOS DRONES E MÍSSEIS DE CRUZEIRO
No primeiro artigo da série falamos sobre a origem dos “drones”, portanto recomendamos sua leitura antes de prosseguir.
Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial foi tentado o uso de ‘drones suicidas’, inicialmente baseados em alvos aéreos controlados por rádio, mas a tecnologia da época não era madura o suficiente. Os EUA trabalharam bastante no conceito, mas sem sucesso na época.


Nas Operações Afrodite (Força Aérea do Exército) e Bigorna (Marinha), os EUA utilizaram bombardeiros B-17 e B-24 convertidos para uso como ‘torpedos aéreos’ gigantes, mas o sucesso foi praticamente nulo. Houve muitas mortes dos envolvidos nos testes, entre eles o Tenente Joseph P. Kennedy, Jr., irmão mais velho do futuro presidente John Kennedy.
Os experimentos de outros países, como a Alemanha e a Inglaterra, também obtiveram resultado praticamente nulo.
O maior sucesso neste sentido, sem sombra de dúvida, o míssil de cruzeiro nazista Fieseler Fi-103, a famosa ‘bomba voadora’ V-1, que é considerado por muitos como o primeiro míssil de cruzeiro realmente bem sucedido da história.


Depois da Segunda Guerra, outros países começaram a desenvolver drones (tanto para uso em treinamento quanto para reconhecimento), e os resultados mais visíveis aparecem na Guerra do Vietnã. Os EUA usaram vários drones naquela guerra, principalmente para reconhecimento.

Já na Guerra do Yom Kippur, em 1973, Israel utilizou os Firebee para uma função mais ofensiva – servir de ‘isca’ para as defesas árabes, ajudando no esforço global de SEAD / DEAD (Supressão / Eliminação de Defesas Aéreas Inimigas), e a experiência adquirida foi essencial para que Israel se tornasse um dos maiores desenvolvedores e utilizadores de drones em missões de combate.
Desde então, os drones evoluíram consideravelmente, e além das missões ‘suicidas’, de reconhecimento, de ‘isca’ e de alvos, aos poucos os drones em si começaram a carregar armas. Um dos exemplos mais conhecidos de drones armados é o General Atomic MQ-1 Predator, dos EUA. O uso de satélites de comunicações permite que drones como o Predator sejam controlados a milhares de km de distância dos alvos.

DRONES NAS GUERRAS MODERNAS
Os drones vêm sendo usados cada vez mais nas guerras modernas – a Guerra de Nagorno-Karabakh de 2020, e a Guerra Russo-Ucraniana que recomeçou em 2020 (na verdade começou com a invasão russa da Crimeia em 2014), mas também na Operação Espadas de Ferro, que é a guerra iniciada pelos ataques terroristas do Hamas contra cidadãos israelenses.
Enquanto drones cada vez mais sofisticados e caros entram em serviço e estão sendo desenvolvidos ao redor do mundo, a grande proliferação de drones ‘tipo DJI’ no meio civil abriu possibilidades no uso de pequenos drones suicidas e/ou drones simples armados com granadas.

Não é preciso ser nenhum especialista para perceber que até mesmo drones simples podem causar um grande estrago a um custo relativamente baixo, como por exemplo nos fechamentos de diversos aeroportos em tempos recentes.
A vantagem dos ‘drones tipo DJI’ é que são extremamente baratos e passíveis de uso em grandes quantidades, mas a desvantagem é que são muito pouco resistentes a contra-ataques, tanto fisicamente quanto eletronicamente.
Em 31 de dezembro de 2017, guerrilheiros atacaram a base de Khmeimim, causando a destruição de quatro bombardeiros Su-24, além de dois caças Su-35S e um transporte An-72; é possível que outras aeronaves tenham sido destruídas, com algumas fontes apontando até doze baixas. Embora a Rússia não libere muitas informações, parece que o ataque foi realizado com o uso de ‘drones DJI’.
Chama a atenção que a base de Khmeimim é guardada por uma bateria de mísseis S-400, considerados como alguns dos melhores do mundo, mas ainda assim não conseguiram proteger a base.
Este ataque, bem como o feito contra a ARAMCO, mostram como é difícil se defender de tais ataques, mesmo utilizando os melhores sistemas americanos ou russos.
Outro uso que vem se destacando são os drones FPV (visão em primeira pessoa), usando tecnologias muito comuns em videogames, com o operador do drone operando-o com o uso de óculos como se estivesse dentro do drone. A combinação de tecnologias FPV, drones ‘tipo DJI’ e armas simples, como foguetes para o RPG-7, conseguem excelentes efeitos contra blindados modernos gastando-se, frequentemente, menos de mil dólares por aparelho.
MÍSSEIS DE CRUZEIRO
Os mísseis de cruzeiro são, basicamente, drones suicidas mais sofisticados e que geralmente seguem um voo pré-determinado, ao invés de serem pilotados remotamente (há exceções, claro). Passaram a ser bastante utilizados a partir da Guerra do Vietnã (mísseis com alcance de poucos km) e, a partir da Guerra do Golfo da década de 1990, começaram a ser utilizados mísseis com alcances de milhares de km.

De modo geral, qualquer país capaz de desenvolver aeronaves também terá a capacidade para desenvolver mísseis de cruzeiro. A recente disponibilidade de sensores como giroscópios, navegação inercial e GPS para usos comerciais acabou por favorecer os países que querem fabricar tais armas, e países como o Irã, que há pouco mais de 20 anos seria considerado incapaz nesta área já são capazes de fabricar sistemas bastante modernos.

Ataques com dezenas, ou mesmo centenas de mísseis de cruzeiro, foram usados por EUA e Aliados em várias ocasiões, por exemplo contra a Síria em retaliação ao suspeito uso de armas químicas.
COMO SE DEFENDER DE DRONES E MÍSSEIS DE CRUZEIRO?
Como o uso dos V-1 na Segunda Guerra e de drones na Guerra ao Terror demonstram, e o ataque à ARAMCO relembra, não é nada fácil defender-se de ataques de drones / mísseis de cruzeiro bem coordenados e executados.
A curvatura da Terra limita bastante o alcance de detecção de tais engenhos. Como o sistema de guiagem das V-1 era bastante primitivo, os mísseis tinham que voar em linha reta e a altitudes entre 600 e 900 m, permitindo que radares baseados em terra os detectassem a mais de 100 km de distância, dando um tempo razoável para as defesas atuarem.
Porém, com as tecnologias atuais de guiagem, mísseis de cruzeiro modernos podem voar a altitudes inferiores a 50 m, o que resulta em alcances de detecção inferiores a 50 km. Para complicar ainda mais o trabalho da defesa, em altitudes tão baixas os mísseis acabam por passar entre montanhas e prédios, o que os mascara ainda mais. Fora isso, como os mísseis podem voar através de pontos pré-programados, fazendo manobras e seguindo por rotas aparentemente ilógicas, é muito difícil prever qual alvo o míssil vai atacar, o que dificulta bastante não apenas posicionamento das defesas, mas também sua coordenação.
No caso de certas instalações, como as petrolíferas, deve-se lembrar também que os próprios projéteis das defesas antiaéreas podem causar ou aumentar os incêndios, o que complica mais ainda a defesa.
Outro ponto a favor de drones e mísseis de cruzeiro é que, devido ao fato de voarem a velocidades relativamente reduzidas, eles podem ser feitos de materiais plásticos, que por sua natureza são maus refletores de ondas de rádio, reduzindo ainda mais o alcance de detecção.
Por fim, e provavelmente ainda mais importante, drones e mísseis de cruzeiro podem ser bastante baratos em comparação aos seus alvos. Mesmo que tais sistemas tenham baixa eficiência, e seus alvos tenham que ser atacados por dezenas ou mesmo centenas de drones ou mísseis, é frequente que os estragos sejam de vários milhões de dólares, o que significa que, em muitos casos, o custo-benefício favorece bastante o atacante.

CONCLUSÃO
Esta análise, bastante superficial, indica que drones e mísseis de cruzeiro já são uma grande dor de cabeça para qualquer comandante militar incumbido de proteger instalações sensíveis, e a tendência é que o problema se complique cada vez mais.
A maior lição a ser tirada das guerras atuais é que não se pode mais ignorar o uso de drones e mísseis de cruzeiro, nem mesmo por parte de players menores que Estados, como o Hamas e o Hizballah (também grafado Hezbollah).
Outra lição importante é que Forças Armadas modernas não precisam apenas de bons equipamentos, mas também de bom treinamento e bom planejamento. As FFAA sauditas, por exemplo, estão entre as mais bem equipadas do mundo, mas já é bem evidente que os sauditas não estão conseguindo extrair o melhor de tais equipamentos, tendo já sofrido muitos ataques bem sucedidos feitos por drones e mísseis de cruzeiro.
FONTES
https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_unmanned_aerial_vehicles
https://en.wikipedia.org/wiki/Unmanned_combat_aerial_vehicle
https://www.popularmechanics.com/military/aviation/a28312/wwii-drone-strike-tdr-1/
https://paleofuture.gizmodo.com/the-tv-guided-drones-of-world-war-ii-1560130671
https://www.warhistoryonline.com/military-vehicle-news/short-history-drones-b.html
http://www.atinitonews.com/2019/09/drones-spark-fires-at-two-saudi-aramco-oil-facilities/
http://www.atinitonews.com/2019/09/drones-spark-fires-at-two-saudi-aramco-oil-facilities/