Além do possível envio de caças franceses, outros países europeus também podem estar prestes a fornecer caças multinacionais à Ucrânia – inclusive a Itália. A França também anunciou que pode enviar caças à Ucrânia, conforme apontamos neste artigo. E no dia 27/03/2023, surgiu um rumor de que a França poderia enviar alguns Mirage 2000-9, comparando-os dos Emirados Árabes Unidos, o que representaria um grande reforço à Ucrânia.
Neste artigo, vamos analisar as aeronaves pan europeias e os possíveis quantitativos envolvidos. Cogita-se que a Itália possa mandar o AMX, mas como este já é um velho conhecido por ser operado pela nossa Força Aérea Brasileira, não vamos falar dele neste momento.
PANAVIA TORNADO
Nos anos 1960, Alemanha, Inglaterra e Itália conduziram tratativas para desenvolver o MRCA (aeronave de combate multifunção). Criou-se o consórcio Panavia para produzir a MRCA, que recebeu o nome de Tornado. Como era a “moda” da época, o Tornado foi desenhado com asas VG (geometria variável), e equipado com os aviônicos e armas mais modernos da época. Ao longo de sua história, foram desenvolvidas muitas variantes da versão principal, a IDS (ou GR, no caso da RAF), com destaque para a versão ADV (variante de defesa aérea), cuja função principal era ser um interceptador para a RAF (Força Aérea Real da Inglaterra).
O Tornado ADV passou por diversas modificações estruturais, e até seu motor é diferente da versão padrão. Foi usado por pouco tempo pela Itália, e a Arábia Saudita usou-os por quase 20 anos. Todos os ADV já foram aposentados. Quase 200 dos Tornado foram produzidos como ADV. Seu radar Foxhunter, embora tenha sido uma fonte de dor de cabeça por um bom tempo, acabou se tornando uma ferramenta bastante capaz, com longo alcance e excelentes capacidades.
O Tornado foi adquirido por Alemanha, Inglaterra e Itália (do consórcio Panavia) e também pela Arábia Saudita. A Inglaterra já aposentou seus Tornado, substituindo-os pelos Eurofighter e F-35; a Itália está fazendo o mesmo. A Alemanha substituiu alguns de seus Tornado pelos Eurofighter, e está no processo de finalizar a substituição dos seus Tornado por F-35, escolhido em 2022 para tal função. Os Tornado Sauditas estão sendo substituídos por Eurofighter, e as aeronaves retiradas de serviço estão sendo enviadas de volta à Inglaterra.
A produção total de Tornado foi de quase mil unidades, e centenas já foram retirados do serviço ativo, com outras centenas em processo de aposentadoria. Ou seja, é bem provável que haja dezenas ou até mesmo centenas de células em bom estado, que poderiam ser usadas pela Ucrânia.
Entretanto, há uma série de desafios e limitações neste sentido. O Tornado, embora altamente capaz em missões de ataque, é uma aeronave de operação extremamente complexa. As asas são de manutenção muito cara e difícil, e como os Tornado passaram boa parte de suas vidas operacionais voando a altitudes ultra baixas ─ afinal, foram desenhados justamente para este fim ─ é bem provável que as células requeiram manutenção constante.
O Tornado IDS / GR, especialmente nas versões mais atualizadas, é uma aeronave altamente capaz para as missões de ataque ao solo, homologado para lançar algumas das armas mais avançadas do mundo, como o míssil de cruzeiro de longo alcance Storm Shadow, além de mísseis anticarro Brimstone, bombas guiadas JDAM e Paveway… Capacidades estas que certamente seriam muito bem-vindas no teatro de operações da Ucrânia.
Os Tornado ADV poderiam ser úteis caso armados com os AMRAAM, sendo uma oposição bastante viável contra os caças russos na região, já que o AMRAAM é bastante superior aos mísseis atualmente a serviço da Ucrânia e, dependendo da versão, superior a quase todos os mísseis operados atualmente pela Rússia.
Embora o Tornado não seja particularmente manobrável, ele pode levar mísseis de curto alcance como o ASRAAM ou o Sidewinder. O ASRAAM em é bastante eficiente, especialmente quando combinado com HMS (miras montadas no capacete). Não é certo que, se enviados, os Tornado seriam compatíveis com HMS, já que nem todos os Tornado foram modernizados para tal.
A principal capacidade, porém, dificilmente vai ser enviada à Ucrânia. O Tornado IDS foi usado como base para as versões ECR (Alemanha) e EA-200 (Itália), cuja principal missão é DEAD (destruição das defesas antiaéreas inimigas), com o uso de sistemas avançados de guerra eletrônica e mísseis anti radar HARM. Os ECR e EA-200 são altamente importantes às suas Forças Aéreas, e é pouco provável que sejam enviados. Suas capacidades seriam vitais na guerra, silenciando as perigosas baterias de SAM (mísseis superfície-ar) russas, aumentando assim a eficiência das aeronaves ucranianas ao mesmo tempo em que imporiam limitações ainda maiores às aeronaves russas.
EUROFIGHTER TYPHOON
Logo depois que o Tornado se materializou e começaram os testes, os membros do consórcio Panavia se reuniram para desenvolver seu sucessor. A França e a Espanha se uniram ao projeto, mas a França acabou se retirando pois desejava uma versão para operar a bordo de seus NAe (navios-aeródromo, “porta-aviões”), e os demais membros do consórcio não quiseram arcar com os custos desta versão, já que nenhum deles operava um NAe; Espanha, Inglaterra e Itália operavam “porta Harrier”, ou seja, navios de convés corrido para operação de caças de decolagem vertical como o Harrier, que está sendo substituído pelo F-35B. O consórcio Eurofighter foi oficialmente estabelecido em 1986, com o caça sendo posteriormente batizado Typhoon.
O Typhoon é um dos caças conhecidos como “Eurocanards”, caças europeus de 4ª geração com asas em delta e superfícies canard para controle adicional. É um dos caças mais avançados em operação atualmente, com aviônicos extremamente sofisticados, e suas performances são simplesmente impressionantes. Os Eurocanards seguem em produção.
Além dos 4 países do consórcio, o Eurofighter foi vendido à Arábia Saudita, Áustria, Kuwait, Omã e Qatar. Está disponível em 4 variantes principais, chamadas Tranches, 1, 2, 3 e 4, que por sua vez estão disponíveis em Blocks, cada um mais avançado que o outro, e ainda há várias propostas de upgrades para o caça. Os Eurofighter Tranche 1 são mais limitados em termos de capacidades, não muito diferentes dos Tornado ADV neste sentido, ou seja, caças de superioridade aérea. Dos quase 700 Eurofighter produzidos até hoje, quase 150 são Tranche 1.
A Áustria está buscando retirar seus Tranche 1 de serviço; alguns Tranche 1 já estão inativos. Não está claro se algum dos países se disporia a fornecer seus Typhoon mais avançados, já que não é nada fácil nem barato substituir um caça tão capaz, portanto podemos supor que, se fornecidos, os Eurofighter ucranianos seriam Tranche 1, talvez até sem os IRST (sensores de rastreio e busca por infravermelhos) PIRATE, ou seja, os mais antigos produzidos, considerados difíceis de passar por upgrades.
Os primeiros Eurofighter, embora limitados à função de combate aéreo, seriam uma adição extremamente valiosa à Ucrânia, com seu radar, o CAPTOR, amplamente melhor que o instalado nos caças atualmente em serviço por eles, e também muito superior ao radar do ADV. Embora só a partir do Tranche 2 que são capazes de lançar o míssil ar-ar de ultra longo alcance Meteor, é pouco provável que esta armas sejam fornecidas à Ucrânia.
O principal míssil ar-ar do Eurofighter é o AMRAAM, que como apontamos acima é superior a quase todos os mísseis russos. A combinação CAPTOR e AMRAAM certamente seria letal para praticamente qualquer caça russo atualmente em serviço.
O Eurofighter é extremamente manobrável, e combinado com seu avançado HMS, pode ser altamente letal em combates a curtas distâncias. Ele pode ser armado com mísseis Sidewinder, IRIST-T e ASRAAM. O IRIS-T, que a FAB (Força Aérea Brasileira) vai adquirir para os F-39 Gripen, é provavelmente o míssil mais ágil da atualidade, e combinado com um HMS pode ser extremamente letal.
O Eurofighter é capaz de levar algumas das mais modernas armas de ataque ao solo: Brimstone, Storm Shadow, Paveway e JDAM; combinados com os sensores que também estão entre os melhores do mundo, os Typhoon são capazes de ataques devastadores.
O Eurofighter também pode levar os HARM e, embora ainda não haja um equivalente aos ECR, é muito melhor equipado para atacar defesas aéreas do que quaisquer caças atualmente em serviço na Ucrânia ou na Rússia.
CONCLUSÃO
Embora depois a Inglaterra tenha dito que não vai mandar aeronaves, o mesmo aconteceu com “tanques” antes – EUA disseram que não iriam enviar, mas acabaram mandando depois.
Ainda que sejam fornecidos em números relativamente reduzidos, as excelentes armas e sensores do Tornado e do Eurofighter aumentariam consideravelmente as possibilidades de ataque de alta precisão da Ucrânia. Mesmo um número reduzido das versões de superioridade aérea poderiam ser muito úteis para escoltar as atuais aeronaves de ataque, ou até mesmo para apoiar e complementar o possível envio de F-16.
Uma verdadeira “revolução” seria o uso dos caças multinacionais para a função DEAD; mesmo nas versões mais antigas, os HARM já se mostraram bastante eficientes quando lançados a partir de plataformas improvisadas como os Mig e Sukhoi ucranianos, certamente serão ainda mais eficientes a partir de caças ocidentais.
Retomamos aqui a conclusão do artigo que fala sobre os caças franceses para a Ucrânia:
A guerra se aproxima de completar um ano, e a Ucrânia vem resistindo muito bem apesar de não contar com aeronaves avançadas. Com os caças europeus, a capacidade ucraniana de se opor aos russos aumentaria ainda mais.
Entretanto, um problema bastante sério teria que ser resolvido antes: como operar tais caças com eficiência? Qualquer sistema militar exige uma preparação para seu uso, que inclui o treinamento daqueles que vão operar e manter, além do estabelecimento de linhas de suprimento de peças de reposição. Aeronaves levam estas questões a um outro patamar, pois suas exigências de manutenção e operação são extremamente elevadas e custosas.
Para piorar ainda mais esta situação, os ucranianos são operadores de “armas orientais”, e os caças europeus são “armas ocidentais”. De forma simplificada, a “filosofia” de uso, manutenção, logística… oriental é totalmente diferente da ocidental, o que exige mudanças profundas na forma de operar tais aeronaves. A adaptação já é difícil em tempos de paz, e com certeza será ainda mais difícil em tempos de guerra.
A consequência de uma incapacidade de se adaptar e operar as aeronaves de forma adequada é que as aeronaves passariam mais tempo no chão do que em operação, ou operadas de forma que não aproveite todas as suas capacidades, o que limitaria muito seu impacto no campo de batalha.
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