C4ISTAR – as chaves da vitória

O mundo militar é extremamente complexo, e suas muitas engrenagens precisam estar muito bem azeitadas para que as chances de vitória aumentem. Muitas destas engrenagens são pouco visíveis, mas isso não significa que sejam pouco importantes – muito pelo contrário.

Um conjunto destas engrenagens é conhecido pela sigla inglesa C4ISTAR (comando, controle, comunicações, computadores, inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento). Embora alguns dos meios especializados em C4ISTAR sejam desarmados, como o E-99 e o R-99 que ilustram a capa do artigo, eles são tão ou mais essenciais do que os que lançam mísseis e bombas.

Vamos explorar um pouco mais sobre a missão e os sistemas utilizados para este complexo e fundamental conjunto de missões.

OBJETIVOS DO C4ISTAR

O objetivo fundamental do C4ISTAR é comandar e coordenar as forças aliadas, de modo a garantir a adequação dos meios aos alvos e objetivos em determinada situação.

Vamos exemplificar isso com uma situação hipotética. Suponhamos que se deseja eliminar um grupamento inimigo que é apoiado por um batalhão de artilharia. A artilharia é a rainha do campo de batalha, mas tem um “calcanhar de Aquiles”: exige um suprimento constante de munições, o que demanda uma Logística eficiente, conforme exploramos em outros artigos.

Ao invés de tentar combater o inimigo enquanto ele usa sua artilharia normalmente, é possível reduzir a eficiência dos obuseiros dificultando a Logística. Isso pode ser feito, por exemplo, destruindo os paióis de munições principais que atendem ao batalhão.

Conforme explicamos neste artigo, a kill chain – a “corrente da morte” F2T2EA (encontrar, fixar, rastrear, designar, engajar, avaliar) – resume as etapas necessárias para qualquer ação ofensiva. Das 6 etapas, apenas “engajar” não envolve, de modo geral, os diversos elementos do C4ISTAR, mas alguns destes sistemas podem ser usados para auxiliar no ataque em si:

  • Encontrar: Identificar um alvo. Encontre um alvo dentro dos dados de vigilância ou reconhecimento ou por meio de inteligência. “Achar a agulha no palheiro”.
  • Fixar: Fixe a localização do alvo. Obtenha coordenadas específicas para o alvo a partir de dados existentes ou coletando dados adicionais.
  • Rastrear: Monitorar o movimento do alvo. Acompanhe o alvo até que uma decisão seja tomada para não engajar o alvo ou o alvo seja engajado com sucesso.
  • Designar: Selecionar uma arma ou recurso apropriado para usar no alvo para criar os efeitos desejados. Aplicar capacidades de comando e controle para avaliar o valor do alvo e a disponibilidade de armas apropriadas para enfrentá-lo.
  • Engajar: o ataque em si.
  • Avaliar: Avaliar os efeitos do ataque, incluindo qualquer inteligência coletada no local, para determinar se os efeitos pretendidos foram atingidos ou se é necessário um novo ataque.

Ou seja, sem as capacidades C4ISTAR, é muito difícil atacar ou defender com eficiência. Vamos explorar um pouco mais sobre essas diversas capacidades.

C – COMPUTAÇÃO (OU C2, COMPUTAÇÃO & CYBER)

Os computadores, cada vez mais, são essenciais para os militares. Por exemplo, houve um tempo em que as melhores câmeras, inclusive de satélites militares, usavam filmes fotográficos, mas isso é cada vez mais raro.

Daí a importância de ter um poder computacional adequado, e também poder “atacar” os computadores inimigos e “defender” os seus próprios de cyber warfare (guerra cibernética); há autores que usam o termo C5ISTAR, com o 5º C tratando-se de cyber, mas para os fins deste artigo vamos considerar que o cyber faz parte da “Computação”.

Houve diversos cyberataques durante a guerra na Ucrânia, e é praticamente certo que haverá outros nesta e em outras guerras.

C3 – COMANDO, CONTROLE, COMUNICAÇÕES

Numa era em que as pessoas estão acostumadas com a facilidade em se comunicar com qualquer ponto do mundo “num par de cliques”, é fácil de se esquecer que, por boa parte da História, e até hoje em muitas situações no campo de batalha, não é nada fácil transmitir ou receber informações de forma adequada e em tempo hábil.

Não é de se surpreender, portanto, que boa parte dos esforços de guerra se concentrem em obter o C3 mais eficiente possível, ao mesmo tempo em que se tenta negar o mesmo ao inimigo. Nos três grandes espaços de guerra – ar, mar e terra – há diversos sistemas cuja função principal, ou mesmo única, é C3.

Além dos sistemas específicos para C3, praticamente todos sistemas fazem, de alguma forma, parte da rede C3. Um exemplo disso são os sistemas AEW (alerta aéreo antecipado), mais apropriadamente AEW&C (AEW e controle), como o Embraer E-99 utilizado pela FAB (Força Aérea Brasileira). O resultado é que o E-99 não apenas pode localizar aeronaves inimigas a centenas de quilômetros, mas também pode servir como um “centro de comando voador”, comandando caças aliados da maneira mais eficiente possível.

ISTAR OU ISR + TA – INTELIGÊNCIA, VIGILÂNCIA & RECONHECIMENTO + AQUISIÇÃO DE ALVOS

Inteligência é um termo amplo, que se refere à obtenção de informações e seu processamento de forma a construir um quadro adequado da própria situação e da situação do inimigo. De certo modo, as demais capacidades – Vigilância, Aquisição de Alvos, Reconhecimento – fazem parte da Inteligência.

Muitos dos sistemas que são usados, nominalmente, para uma destas funções, geralmente servem muito bem para as demais funções.

Um exemplo é o pod Rafael Litening, que a FAB usa nos F-5 e A-1 modernizados e seguirá usando nos Gripen. Nominalmente, o Litening é um LDP (pod de designação de alvos por laser), ou seja, serve para aquisição de alvos. Entretanto, o Litening pode cumprir, com grande eficiência, missões de reconhecimento e vigilância.

Caça tático A-1M com um pod Recce Lite no ‘centerline’ (hard point instalado sob o centro da fuselagem)

GUERRA RUSSO-UCRANIANA E C4ISTAR

Um exemplo prático do uso adequado – e inadequado – dos recursos C4ISTAR é a Guerra Russo-Ucraniana.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2014, as FFAA (Forças Armadas) ucranianas estavam em frangalhos. Mas a Ucrânia buscou apoio de países da OTAN, principalmente Reino Unido e EUA, e reorganizou suas forças, além de costurar acordos com diversos países.

Além da grande quantidade de armas de tais países, a Ucrânia vem sendo muito beneficiada com a poderosa rede C4ISTAR da OTAN. É até difícil mensurar o impacto que isso tem para a Ucrânia, que está em situação de clara inferioridade numérica, tanto em termos de soldados quanto de armas.

Desta forma, é crucial à Ucrânia que utilize seus recursos limitados da melhor forma possível. Atacar locais pouco importantes é exatamente o oposto de bem utilizar os recursos, e por isso é fundamental escolher os alvos com muito cuidado e critério.

Outro ponto importante, mas pouco enfatizado por alguns, é que as PGM (“armas inteligentes”, munições guiadas de precisão), embora revolucionárias, não serão eficientes caso mal designadas. Um triste exemplo disso foi o ataque, pelos EUA, de um veículo que estava ocupado por uma família de civis, e não de insurgentes do Taleban, como se suspeitava. O míssil atingiu seu alvo com grande precisão e o destruiu completamente, mas infelizmente o ISTAR designou o alvo errado.

Os ataques ucranianos contra centros logísticos teve um imenso impacto. A Rússia não conseguiu, por exemplo, manter a cidade de Kherson, a maior das que a Rússia conquistou. A C4ISTAR eficiente, mais o uso de PGM, permitiu à força ucraniana, mesmo sendo bem menor que a russa, obter um resultado desproporcional no campo de batalha. Merece destaque, neste sentido, a combinação HIMARS (sistema de alta mobilidade de MLRS / lançamento múltiplo de foguetes) e mísseis GMLRS (mísseis guiados para MLRS).

HIMARS lançando um MLRS

Por sua vez, a C4ISTAR russa está deixando a desejar. Um exemplo disso é o fato de que, apesar de contar com armas com alcance mais do que suficiente para cobrir toda a Ucrânia, os ucranianos ainda conseguem operar aeronaves como o bombardeiro tático Sukhoi Su-24, que precisam de pistas relativamente bem preparadas. Outro exemplo: os russos também não conseguiram, até o momento, demonstrar de forma inequívoca a destruição de um único HIMARS, apesar do estrago que estes sistemas vêm causando entre os russos.

Embora a Rússia tenha obtido alguns sucessos em termos de cyber ataques, estes se restringiram a ações pontuais, principalmente no começo da guerra, mas ultimamente os sucessos russos nesta área são bem mais restritos.

CONCLUSÃO E LIÇÕES PARA O BRASIL

O objetivo principal do Canal Militarizando é disseminar o conhecimento em Defesa, de forma que o público em geral entenda melhor este campo tão vasto do conhecimento, com o objetivo final que os cidadãos brasileiros possam exigir que o Brasil atinja uma condição melhor em sua Defesa.

Desta forma, que lições podemos tirar para o Brasil?

A primeira lição é que, de modo geral, estamos bem atrasados em vários aspectos do C4ISTAR. Praticamente não temos, por exemplo, satélites para esta função essencial. E embora tenhamos meios excelentes como o E-99, R-99 e pods Litening, estes são em números muito pequenos.

Uma lacuna importante é a cobertura radar do nosso espaço aéreo e naval. Embora os “buracos” na cobertura radar do espaço aéreo sejam cada vez menores, a cobertura ainda não é a ideal. Em relação ao litoral, a situação é ainda pior: praticamente não há cobertura radar, apesar de existirem ferramentas como os radares OTH (além do horizonte) que poderiam cobrir muito bem nosso litoral. Outras ferramentas como as MPA (aeronaves de patrulha marítima) também são insuficientes para cobrir o litoral de forma adequada.

A segunda lição é que, se formos mal no campo de batalha C4ISTAR, iremos ainda pior no campo de batalha físico. Voltemos a falar da Rússia – apesar de possuir grande poder em termos de quantidades, a ineficiência do C4ISTAR leva a um uso inadequado deste poder, com o resultado final sendo uma paridade ante um adversário numericamente bem inferior.

A terceira lição é que o Brasil também precisa se preparar para negar o esforço C4ISTAR de potenciais adversários. Satélites são ferramentas fantásticas de ISTAR, mas não são uma panaceia, e há outros meios que devem ser combatidos. Um exemplo de meios ISTAR que estão sendo usados com grande eficiência pela Ucrânia são os “drones” (ARP, aeronaves remotamente pilotadas). Nem mesmo a Rússia, com todos os seus recursos, está conseguindo contrapor os drones ucranianos. O Brasil, por sua vez, quase não tem recursos para combater os drones, e isso é uma lacuna que já é problemática.

“Drone” Elbit Hermes RQ-450 operado pela FAB

Finalmente, o Brasil precisa obter mais PGM. A Ucrânia provou que, apesar do alto custo, as PGM “valem seu peso em ouro”, obtendo efeitos desproporcionais. O Brasil está no caminho certo em alguns programas, como o AV-TM300 (míssil de cruzeiro lançado pelos MLRS nacionais Astros), e o MANSUP (míssil anti navios de superfície), mas ainda precisa investir em outras capacidades neste sentido, o que por sua vez exige uma rede C4ISTAR ainda mais robusta, de forma que cada um destes dispendiosos projéteis atinja alvos compensadores.

Míssil MANSUP sendo lançado durante testes

Programas como o Gripen e o E-99 são essenciais neste sentido para a FAB (Força Aérea Brasileira), mas o EB (Exército Brasileiro) e a MB (Marinha do Brasil) também precisam de mais meios C4ISTAR. Um passo além é integrar as redes C4ISTAR com os sistemas ofensivos em NCW (guerras centradas em redes), de tal forma que todos os sistemas no campo de batalha “conversem” entre si. Países como os EUA se encontram muito avançados em NCW, e o Brasil também precisa evoluir neste sentido.

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