No dia 25/11/2022, o EB (Exército Brasileiro) confirmou a escolha do CIO (Consórcio Iveco – Oto Melara) Centauro 2 (ou Centauro II) como vencedor do programa VBC Cav – MSR 8×8 (Viatura Blindada de Cavalaria Média Sobre Rodas).
O Centauro era o único concorrente com canhão de 120 mm (que ainda não está em uso no EB), enquanto os demais concorrentes (LAV e ST1) estavam armados com canhões de 105 mm (o mesmo calibre atualmente em uso no Leopard 1 e M60). A vitória do Centauro, a princípio, pode parecer um contrassenso – se o EB ainda não usa o 120 mm, por quê então escolher justamente o único veículo que usa esta munição?
Entretanto, ao se analisar as movimentações do EB nos últimos anos, pode-se observar que a escolha do Centauro faz todo o sentido.
HISTÓRIA DO CALIBRE 105 MM
Ao longo da Segunda Guerra Mundial, os calibres dos canhões dos ‘tanques’ (CC, carros de combate, na nomenclatura do EB) aumentaram consideravelmente. No período entre-guerras o calibre padrão eram versões de 37 mm, mas ao final do conflito os principais calibres eram 76 mm, 85 mm e 90 mm; experiências com outros calibres, como o 152 mm, acabaram não levando à adoção em larga escala.
A Guerra da Coreia estourou pouco depois, e os calibres dos canhões continuaram a subir. Já durante a Segunda Guerra Mundial a URSS experimentou o calibre 100 mm no sucessor do T-34, o T-44, que nunca foi tão popular como o “velhinho”. Entretanto, os soviéticos prosseguiram melhorando o T-44, e estas melhorias acabaram culminando na família T-54/T-55, com os blindados desta família atingindo mais de 100 mil unidades produzidas.
A família T-54/T-55 entrou em operação com os soviéticos em 1955, e já no final de 1956, durante a Revolução Húngara, a Inglaterra capturou um T-54 quando os húngaros invadiram a Embaixada Inglesa com um deles!
Os britânicos chegaram a duas conclusões preocupantes – o canhão de 100 mm do T-54 era muito superior ao canhão inglês de 90 mm, e a blindagem do tanque soviético poderia resistir a disparos dos ingleses, mas não o inverso. Estas descobertas levaram ao desenvolvimento de um novo canhão, o Royal Ordnance L7, de calibre 105×617mmR, que entrou em serviço em 1959 e acabou se tornando o canhão padrão da OTAN, adotado não só pela Inglaterra mas também pelos EUA, Alemanha e França, entre outros. Foi desenvolvido pelo Arsenal de Fort Halstead, da Coroa Britânica, e o modelo padrão usa um cano L/52 (comprimento do cano é de 52 calibres, ou seja, aproximadamente 5,46 m)
O calibre 105 mm OTAN está em uso pelo Brasil no M60 e no Leopard 1, e vários países ainda usam este calibre, o que faz com que seja relativamente fácil obter munições.

O L7 e derivados usam cano de alma raiada, e na época em que foi lançado as munições HESH (alto explosivo, cabeça deformável) ainda eram importantes, mas com o tempo acabaram em desuso, com as munições “flecha” (APFSDS: perfurante de blindagem, estabilizado por aletas, sabots descartáveis), HE (alto explosivo) de uso geral, e HEAT (HE antitanque) sendo as principais.
HISTÓRIA DO CALIBRE 120 MM
A evolução das armas e blindagens levou a que, com o passar do tempo, mesmo o 105 mm OTAN se tornasse obsoleto ante os últimos modelos de blindados russos, como os T-72. Desta vez foram os alemães da empresa privada Rheinmetall que desenvolveram um novo calibre, o 120×570mmR, que também acabou se tornando o padrão da OTAN a partir dos anos 1980.
O 120 mm é o calibre padrão atual dos blindados da OTAN, e foi adotado pelos mesmos países que já adotaram o 105 mm – aliás, as dimensões das duas munições são semelhantes, o que permitiu que alguns veículos originalmente armados com o 105 acabassem usando o 120. Apenas os ingleses ainda usam munições HESH nos seus 120 mm, que são de alma raiada. Os demais canhões de 120 mm são de alma lisa, o que prejudica a precisão dos HESH mas aumentam a eficiência dos APFSDS e HEAT. Os dois comprimentos de cano mais utilizados são L/44 e L/55 (5,28 m e 6,60 m, respectivamente).

A maioria dos veículos atuais usam canos L/55, embora originalmente usassem L/44. Veículos mais leves, como o Centauro 2, usam canos L/44. O Abrams americano ainda usa o L/44; os americanos testaram o L/55 e não acharam que oferecia vantagens o bastante para mudar.
COMPARAÇÃO ENTRE 105 E 120
Embora o 105 mm use uma munição parecida com a de um fuzil, com estojo metálico e tudo, o 120 mm utiliza um novo tipo de munição, chamada de “semi caseless”; a parte metálica do estojo é apenas a base, com o corpo do estojo sendo feita em um material combustível, que é consumido durante o disparo. O resultado disso é que a munição completa de 120 pesa praticamente o mesmo que a munição completa de 105, apesar de o 120 disparar projéteis consideravelmente mais pesados, desenvolvendo uma energia de boca muito maior, conforme a tabela abaixo:

Algumas coisas chamam a atenção nesta tabela:
- O canhão 120 mm pesa mais que o triplo do canhão de 105 mm, além de apresentar um recuo consideravelmente maior, o que impõe estresse nos veículos que usam tal arma, embora isso possa ser gerenciado em projetos modernos
- De modo geral, as munições têm o mesmo comprimento
- O diâmetro da base e o peso das munições são bem próximas
- As diferenças são bem maiores em relação aos projéteis “flecha”, com o 120 mm apresentando mais que o dobro da energia de boca
- Os projéteis HE de 120 mm apresentam uma quantidade bem maior de explosivos que os de 105 mm, além de serem consideravelmente mais rápidos
- Embora não apareça na tabela, o volume total da munição de 120 mm é 132% do volume do 105 mm, o que significa que, no mesmo volume, cabem 4 munições de 105 mm ou 3 munições de 120 mm, ainda que os pesos das munições sejam praticamente os mesmos
VANTAGENS DO 105 MM
O 105 mm apresenta as vantagens de menores peso e recuo da arma, o que facilita a instalação de canhões neste calibre em veículos mais leves – o Centauro original, por exemplo, usava um canhão 105.
Como o volume da munição é bem menor, é possível levar mais munições no mesmo volume, o que aumenta a persistência do veículo em combate, embora tal vantagem seja questionável – nos dias de hoje, com “drones” (ARP, aeronaves remotamente pilotadas) nos campos de batalha, qualquer veículo que atire seu canhão de 105 ou 120 será localizado rapidamente e logo terá que sair do campo de batalha.
Embora a potência do 105 seja bem menor que a do 120, ainda é suficiente para abater praticamente qualquer veículo com disparos nas laterais ou traseiras, e seus projéteis HE apresentam potência mais do que suficiente para uso em combate urbano.
Esta é outra vantagem do 105 mm – o sopro da arma é consideravelmente menor, o que diminui os problemas de concussão dos disparos em tropas aliadas próximas, além de levantar menos poeira, produzindo assinatura visual e sonora menores que o 120 mm, embora tais assinaturas ainda sejam bem consideráveis e fáceis de achar durante os combates.
VANTAGENS DO 120 MM
Apesar das desvantagens em termos de peso e recuo da arma, além do volume da munição, o 120 mm é extremamente eficiente, especialmente em termos de munições “flecha” para uso contra outros blindados. As munições HE também são muito mais destrutivas, e como também são muito mais rápidas, o tempo de voo dos projéteis é bem menor.
Outra vantagem do 120 mm é que há uma variedade muito maior de tipos de munição e de fornecedores, o que aumenta ainda mais a versatilidade da arma e a facilidade de se obter munições.
A evolução dos 120 mm não pára. A Rheinmetall está desenvolvendo uma nova versão do seu canhão L/55, e novas munições compatíveis com ele, que operam sob pressões ainda maiores, e que oferecem ainda mais performance, portanto é seguro dizer que o 120 ainda tem muita “lenha pra queimar”.
Por fim, mas não menos importante, há uma variedade de munições MP (multi propósito) de 120 mm, cumprindo missões dos HE e HEAT, o que permite que o blindado leve menos tipos de munições, facilitando a gestão das mesmas durante o combate.
CONCLUSÃO
O EB escolheu o 120 mm como seu calibre do futuro, alinhando-se aos principais exércitos do mundo, embora o momento desta escolha seja, no mínimo, curioso, já que a OTAN se prepara para aposentar o 120 mm, com a dúvida pairando sobre o novo calibre, se será 130 mm ou 140 mm.
De qualquer forma, ainda que o novo calibre seja escolhido dentro dos próximos 5 anos, é certo que o 120 mm ainda vai permanecer em uso por muitas décadas.
A Geografia da região do Brasil não é tão favorável à operação de blindados como, por exemplo, na Europa, o que não significa que possamos descuidar de tais veículos.
O EB já escolheu o Centauro 2, e ainda não divulgou sua escolha em relação ao programa de modernização dos Leopard 1 – é possível que ele seja reequipado com canhão de 120 mm – e também ainda não escolheu seu futuro “tanque”, embora já tenha definido que ele vai usar um canhão de 120 mm. Portanto, está claro que o EB considera que seu futuro é com o 120 mm, escolha esta que, embora tardia em relação à OTAN e outros países, ainda é acertada considerando-se o médio e longo prazo.
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