REVO, o ponto fraco do dragão chinês

Publicamos, recentemente, um artigo falando sobre as poderosas FFAA (Forças Armadas) chinesas, o PLA (Exército de Libertação Popular), portanto recomendamos a leitura do mesmo para informações gerais.

Neste artigo, nosso foco será a PLAAF (Força Aérea do PLA, também escrito PLA-AF), que é a Força Aérea Chinesa em si.

MODERNIZAÇÃO

É bem difícil conseguir informações confiáveis sobre os projetos militares chineses de um modo geral, e as aeronaves não são exceção, portanto vamos comentar apenas brevemente sobre os principais caças e caças-bombardeiros da PLAAF, ao invés de fazer um debate aprofundado sobre cada modelo.

A PLAAF, até o final do século 20, era basicamente um amontoado de aeronaves originalmente projetados na URSS e feitos na China, algumas sob licença, como o J-7, que era basicamente uma versão local do MiG-21. Outras eram derivados relativamente simples (como o Q-5, derivado do MiG-19 com algumas modificações); havia poucas aeronaves mais avançadas, como o J-8, que era um derivado do MiG-21 com diversas modificações.

Entretanto, com o crescimento econômico chinês, e com a expansão das ambições territoriais e diplomáticas chinesas, o PCC (Partido Comunista Chinês) decidiu investir fortemente em modernizações, e a PLAAF foi bastante beneficiada.

A China comprou alguns Su-27 às vésperas da queda da URSS, e logo começou a fabricar, sob licença, o J-11. Aos poucos a China foi dominando a produção do Su-27 e começou a desenvolver versões próprias, o J-15 (para uso embarcado) e o J-16 (multifunção, equivalente ao Su-30).

Além do J-11, a China desenvolveu o J-9, que não chegou a ser produzido, mas deu origem ao J-10; alguns analistas, erroneamente, supõem que o J-10 é um derivado do Lavi israelense (embora de fato os israelenses tenham ajudado a China a finalizar o desenvolvimento do J-10).

Finalmente, aquele que é o modelo mais importante atualmente em serviço na PLAAF, o J-20, um design com diversas características stealth, que entrou em serviço em 2017.

A China opera centenas destas aeronaves, e o ritmo de produção ainda é elevado, o que significa que em breve serão milhares delas em serviço.

Mas o dragão chinês tem um ponto fraco, e não parecia fácil resolvê-lo – até recentemente.

REVO CHINÊS

O REVO (reabastecimento em voo) foi usado em peso, pela primeira vez, na Guerra do Vietnã. Os planejadores americanos logo perceberam que o REVO assegurava uma enorme flexibilidade, permitindo decolar com uma pesada carga de armas e pouco combustível, e “encher o tanque” pouco depois da decolagem; desta forma, as aeronaves não precisavam optar entre carga de armas ou alcance, podendo desfrutar de ambas as capacidades numa missão.

Além disso, o REVO também salvou muitas aeronaves danificadas em combate, ou que foram forçadas a combater por mais tempo que o previsto, e que de outra forma não teriam combustível suficiente para voltar a suas bases.

Entretanto, apesar de o REVO demonstrar sua importância, poucos países investiram de fato nesta capacidade nos anos posteriores à Guerra do Vietnã.

Conforme apontamos em nosso artigo sobre como a falta de capacidades robustas de REVO prejudicou a Argentina durante a Guerra das Falklands / Malvinas de 1982, não é fácil dispor de uma boa capacidade neste sentido.

A FAB (Força Aérea Brasileira), felizmente, vem investindo firme nesta área, e além de assegurar que todos os cargueiros Embraer KC-390 Millenium que encomendou tenham a capacidade “tanker” (avião cisterna, ou seja, capaz de transferir combustível em voo para outras aeronaves).

A FAB também assegurou que todos eles sejam capazes de receber combustível em voo, e também equipou todos os seus caças táticos com esta capacidade; o Saab F-39 Gripen, o futuro caça principal da FAB, terá a a capacidade de receber combustível em voo em todas as unidades.

Ademais, o Brasil adquiriu dois Airbus A330-200, que serão convertidos no padrão KC-30 MRTT; é a aeronave cargueira e cisterna de maior capacidade da atualidade. Isto mostra que o Brasil aprendeu com os erros dos argentinos, e está se cuidando para que, numa eventualidade, não soframos os mesmos percalços.

Entretanto, a URSS, tradicionalmente, não foi uma grande entusiasta do REVO, especialmente para seus caças; a China manteve esta tradição.

Atualmente, a China opera apenas um punhado de tankers HY-6 (ou H-6U), um derivado do H-6, que por sua vez é a versão chinesa do Tupolev Tu-16 ‘Badger’ dos anos 1950, e 3 unidades do Ilyushin Il-78 ‘Midas’ ex-Ucrânia, tanker derivado do cargueiro soviético Ilyushin Il-76 ‘Candid’, que voou pela primeira vez nos anos 1970 e usa 4 motores Soloviev (Saturn) D30, com cerca de 26 mil libras de empuxo cada um. O Midas pode transferir cerca de 90 toneladas de combustível.

Além de poder transferir apenas 18,6 toneladas de combustível (ou seja, menos de ¼ da capacidade do Midas), os HY-6U sofrem com baixa disponibilidade, pois ao contrário de versões mais modernas como o H-6K, são baseados em versões mais antigas do H-6. Embora não tão antigos, os Candid e Midas chineses são de versões mais antigas, com motores barulhentos e pouco eficientes.

A princípio, o pouco entusiasmo soviético e chinês em relação ao REVO tem certa lógica. Ambos estavam mais interessados em autodefesa do que em projeção de poder, e o REVO apresenta uma série de desafios, tanto a nível de treinamento como a nível operacional, pois é uma operação complexa, resultando em inúmeros acidentes, muitos dos quais acabam resultando na perda de aeronaves. Como a China dispõe de diversas bases espalhadas pelo país, a princípio a necessidade de REVO não se mostrou tão grande.

Entretanto, no Século 21, a China começou a se tornar cada vez mais assertiva em sua postura militar, e está cada vez mais claro que tankers não são um luxo, mas uma necessidade.

Como exemplos de como tankers seriam importantes aos chineses podemos incluir cenários de ação no Mar do Sul da China ou até mesmo sobre Taiwan; o uso de REVO aumentaria significativamente o alcance das aeronaves táticas, o tempo “on station”, a capacidade de armas, ou alguma combinação destes fatores.

XIAN Y-20

A queda da URSS casou também o virtual colapso de sua indústria aeroespacial, e companhias como a Antonov, que acabou ficando na Ucrânia, faliram ou estiveram muito perto disso, com vários projetos promissores abandonados por falta de recursos.

Embora a Antonov em si não tenha falido, foi obrigada a cancelar vários projetos, entre eles o An-70, um enorme cargueiro turboprop que foi concebido como substituto do gigantesco An-22.

A China, que buscava um cargueiro estratégico para substituir seus antigos Il-76, viu a oportunidade de fazer um modelo nacional baseado no An-70, e fechou contratos com a Antonov neste sentido. Há suspeitas de que a China também usou informações sobre o cargueiro americano Boeing C-17, obtidas através de espionagem.

Independente de ter ou não utilizado informações do C-17, a verdade é que o Y-20 é uma aeronave impressionante, com capacidades bem maiores que as do Il-76 que vai substituir. Embora inicialmente o Y-20 use os mesmos D30 do Il-76 e do Il-78, a ideia é que a versão definitiva de produção use os Sheniang WS-20, que além de desenvolverem um empuxo maior, de aproximadamente 31 mil libras, ainda são mais econômicos e silenciosos, sem contar que são de produção local, o que reduz a dependência de componentes importados.

Xian Y-20

Há muitos planos para o Y-20, inclusive em termos de versões especiais. A primeira versão especializada do Y-20 é justamente um tanker, o Y-20U, que foi apresentado oficialmente em agosto de 2022. O Y-20U (algumas fontes apontam que a designação correta é YY-20, mas como apontamos antes, não é fácil obter informações confiáveis sobre sistemas militares chineses) leva mais ou menos a mesma quantidade de combustível que o Midas, mas sendo “zero quilômetro e feito em casa”, com um design bastante recente, espera-se que seja mais eficiente e apresente uma disponibilidade maior que os Midas.

O Y-20U se distingue do Y-20 normal pela presença dos pods subalares com o sistema de transferência de combustível, semelhantes aos usados nos nossos KC-390.

Uma das primeiras imagens do Y-20U reabastecendo um J-20 e um J-16

Curiosamente, e seguindo o padrão do Midas, o Y-20U tem seu compartimento de cargas inutilizado para outras missões que não a de tanker – ou seja, o Y-20U é um tanker dedicado.

Este padrão é bem diferente do “Ocidental”.

O KC-30 MRTT, por exemplo, não apenas pode cumprir a missão de tanker estratégico, mas também pode levar até 45 toneladas de carga, seguindo o precedente estabelecido pelos KC-135 e KC-10.

O KC-390, seguindo o precedente do KC-130, mantém seu compartimento de carga sem maiores modificações, podendo cumprir tanto a missão de cargueiro tático como a de tanker conforme a necessidade.

Aliás, no caso dos KC-390 da FAB, todas as células estão preparadas para cumprir a missão tanker, mas a FAB pretende fazer a “conversão” através do uso de kits, que podem ser instalados ou removidos, conforme a necessidade, até mesmo nas bases de linha de frente.

De qualquer forma, caso a China coloque um número razoável de Y-20U em serviço, o problema chinês com REVO estaria, para todos os fins práticos, resolvido.

CONCLUSÃO

No início do século 21, a força de caças da PLAAF era pouco mais que um punhado de derivados do MiG-19, MiG-21 e Tu-16, e praticamente nenhum analista militar levava a PLAAF a sério.

Entretanto, em apenas duas décadas, a situação já é completamente diferente, com a frota chinesa sendo bastante moderna, e praticamente todas as deficiências existentes na virada do século já foram sanadas.

A introdução do Y-20 em serviço, e especialmente do Y-20U, resolve duas das últimas deficiências da PLAAF, a saber aeronaves modernas para transporte estratégico e tankers de alta capacidade.

Há rumores de que a China possa estar prestes a colocar em serviço um bombardeiro de longo alcance, o H-20, que seria semelhante externamente ao Northrop B-2 Spirit americano. Caso isto seja confirmado, a PLAAF estaria em um patamar pouco inferior ao da USAF, e possivelmente superior à das VKS (Forças Aeroespaciais da Federação Russa).

A combinação entre Y-20U e H-20 daria uma capacidade enorme de ataque estratégico à PLAAF, consolidando ainda mais as pretensões expansionistas chinesas.