UM GÊNIO ALCÓOLATRA: A HISTÓRIA DE EVELYN OWEN E SUA “OWEN GUN”

Você acreditaria hoje em dia que um soldado alcoólatra, que não terminou os estudos e sem notoriedade nenhuma desenvolveria uma arma barata e simples de operar, que operou por vários anos no exército de seu país e essa mesma arma serviu com distinção em quatro guerras? Bom, isso aconteceu na Austrália no século passado.

Evelyn Ernest Owen (15 de maio de 1915 – 1º de abril de 1949) foi um australiano que desenvolveu a submetralhadora “Owen gun” (“arma Owen”, em tradução livre) que foi usada pelo exército australiano na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coréia, na Emergência Malaia e na Guerra do Vietnã.

Owen nasceu em Wollongong, Nova Gales do Sul (estado que fica no Sudeste da Austrália) em 15/05/1915. Ele frequentou a Wollongong High School, mas não era particularmente inclinado aos estudos, abandonando-a antes de se formar. Owen tinha mesmo muita vontade de trabalhar e tentou montar uma empresa de argamassa em sociedade com seu irmão, que acabou falindo.

Apesar de sua falta de formação técnica, Owen tinha um grande interesse em armas de fogo. Esse interesse o levou a desenvolver uma submetralhadora, que ele acreditava que seria amplamente utilizada na guerra moderna, algo em que ele estaria inteiramente correto.

Em 1938, Owen construiu um protótipo que usava munição .22 LR. No ano seguinte, ele levou a arma para um amigo oficial de artilharia em Sydney. Apesar de dizer que a arma poderia ser atualizada para um calibre maior, Owen foi informado de que o Exército Australiano não estaria interessado. Submetralhadoras, como a Thompson, eram consideradas sem importância e, além disso, havia uma percepção no exército de que essas armas “eram para gângsteres e não para soldados”.

Owen, desapontado com a falta de interesse em sua arma de fogo, se alistou na Segunda Força Imperial Australiana (AIF) em maio de 1940, no início da Segunda Guerra Mundial. Ele foi designado para o 2/17º Batalhão. No entanto, pouco antes de embarcar para o Oriente Médio com sua unidade, ele conseguiu mostrar para o gerente da fábrica de Port Kembla da Lysaght’s Newcastle Works, Vincent Wardell, desenhos e o protótipo de sua arma.

Um militar do exército australiano, armando com a Owen gun, inspeciona documentos dos malaios em busca de guerrilheiros durante a Emergência Malaia em meados de 1955.

A Austrália não tinha experiência no desenvolvimento de armas de fogo produzidas em massa e dependia inteiramente de projetos do Reino Unido para a fabricação de suas armas pequenas. Wardell acreditava que a arma poderia ser rapidamente fabricada na Austrália em grande quantidade e levantou a questão com o proprietário da Lysaght, Essington Lewis. Lewis conseguiu que Owen se encontrasse com um representante do Conselho Central de Invenções do exército, o capitão C. M. Dyer.

O uso de metralhadoras pelo Exército Alemão (como as MP 38 e MP 40) durante a Campanha da França de 1940 demonstrou o potencial de tais armas e, consequentemente, alguns generais do Exército Australiano estavam agora mais receptivos ao valor da arma de Owen. Dyer, apesar da falta de entusiasmo de seus superiores, conseguiu que Owen obtivesse uma licença para construir mais protótipos. Trabalhando com Lysaght, em março de 1941 Owen produziu versões utilizando munição de .32 ACP e .45 ACP. Os testes com esses protótipos foram tão satisfatórios que uma abordagem formal foi feita ao Mestre-Geral de Armamentos do exército australiano, Major General Edward Milford.

Uma das primeiras versões da Owen gun, em calibre .45 ACP, distribuídas às tropas australianas que lutavam na Segunda Guerra Mundial.

Descobriu-se que uma potencial empecilho para a adoção da arma de Owen pelo exército foi o desenvolvimento da submetralhadora Sten no Reino Unido, que deveria estar disponível até o final de 1941. Milford avisou a Owen que o exército estava preparado para aguardar a Sten, sem saber que compromissos significativos foram feitos no design do Sten para facilitar a produção em massa. No entanto, o governo, na forma do Ministro do Exército, Percy Spender, anulou a decisão de adquirir a Sten e fez um pedido de 100 armas de Owen. Isso permitiu que testes em larga escala fossem concluídos.

No final de junho de 1941, Owen foi dispensado da AIF, não precisando mais ir para a guerra, e começou a trabalhar na Lysaght, que fabricava sua arma. Em setembro de 1941, sua arma estava pronta para ser testada contra armas semelhantes; a metralhadora americana Thompson, a Sten e a alemã MP 18 (a Austrália havia comprado a patente da arma anos antes da guerra). A arma de Owen provou ser superior às outras armas e tendo sido imerso em água, lama e areia, também provou ser quase impossível de travar enquanto as outras armas travavam e eventualmente se tornaram impraticáveis. Como resultado do sucesso dos testes, o pedido inicial de 100 armas de fogo foi aumentado para 2.000. Após mais dificuldades, a oficialmente chamada “Owen gun” entrou em produção em massa na Austrália.

O modelo definitivo da Owen gun, que serviu com esse design até o envolvimento australiano na Guerra do Vietnã.
Uma Owen gun desmontada mostra suas poucas e robustas peças. Ela era uma submetralhadora simples, fácil de operar e com uma manutenção descomplicada e possível de ser feita até mesmo em campo de batalha.

A arma acabou sendo patenteada em 1943, e Evelyn Owen, o titular da patente, recebeu royalties por arma construída. Mais tarde, ele vendeu os direitos da patente para a Comunidade da Austrália.

Um soldado australiano armado com uma Owen gun cumprimenta um soldado norte-americano durante a Guerra da Coreia, provavelmente no verão de 1951.

No final de 1942, a Owen gun já estava sendo usada na selva lutando contra os japoneses na Nova Guiné. Apesar do desenvolvimento de uma variante australiana do Sten, o Austen, a Owen ainda era a arma de escolha entre os soldados. Inclusive o General do Exército dos EUA (US Army) Douglas MacArthur cogitou equipar as tropas norte-americanas com a confiável Owen gun na cancelada Invasão do Japão em 1946.

Mais de 45.000 Owen Guns foram produzidas durante a Segunda Guerra Mundial e continuaram em uso durante a Guerra da Coreia, a Emergência Malaia e nos primeiros anos da Guerra do Vietnã (ela aparece no filme “Perigo Iminente”, recentemente lançado no serviço de streaming Apple TV, sobre a Batalha de Long Tan, travada pelo exército australiano contra os rebeldes Vietcongs). A Owen gun só foi retirada de serviço em 1971, substituída pela submetralhadora F1 e depois pela carabina M4 (uma versão curta do clássico fuzil M16).

Soldado australiano opera a Owen gun durante a Batalha de Long Tan, no filme “Perigo Inimente” (2022) da Apple TV.
O Soldado Alf Bartlett (Ethan Robinson) segura sua Owen gun enquanto opera o rádio para o Segundo-Tenente Dave Sabben (Sam Parsonson), cena do filme “Perigo Iminente” (2022) da Apple TV.

Owen recebeu 10.000 libras esterlinas (em valores de hoje cerca de 420 mil libras, em reais hoje: R$ 2.540.000) de em royalties e da venda de direitos de patente, e usou o dinheiro para estabelecer uma serraria perto de Wollongong, sua terra natal. Seu interesse por armas de fogo não diminuiu e ele continuou a desenvolver e experimentar armas, principalmente rifles esportivos. Profundamente alcoólatra (bebia cerca de um litro de uísque por dia ou mais), Owen foi internado no hospital de Wollongong, onde morreu de uma úlcera gástrica rompida em 01/04/1949, com apenas 33 anos.

Evelyn Owen hoje é considerado um heroi nacional na Austrália, pois desenvolveu a única arma 100% australiana a lutar na Segunda Guerra Mundial, na Coreia, na Malásia e no Vietnã.

IMAGEM DE CAPA: Militares australianos exibem suas Owen guns em algum lugar da África do Norte, em meados de 1942.

FONTES: Wikipédia, Pinterest e Canal Militarizando.