Recentemente, algumas publicações na internet sugerem que os sistemas russos de interferência eletrônica, especialmente os que interferem em sinais de GPS, prejudicou alguns F-35 israelenses, que erraram seus alvos usando as JDAM (bombas com kits de guiagem por GPS). Segundo algumas destas publicações, o F-35 não é capaz de operar direito justamente por não conseguir sinais adequados de GPS, como “provado” no filme Top Gun: Maverick.
O que é fato e o que é ficção nestas afirmações?
Resumidamente – praticamente tudo é “fake news”, e por isso não vamos colocar links destas publicações em questão, em respeito aos nossos estimados leitores.
Vamos explicar o contexto para facilitar o entendimento da questão.
CEP
Os militares costumam se referir ao termo CEP (erro circular provável) quando falam de precisão; quanto menor o CEP, melhor a precisão.
De forma simplificada, o CEP indica um círculo ao redor do alvo em que parte das munições atingem. Por exemplo, um CEP de 10 metros significa que 80% daquele tipo de munição vão cair dentro de um círculo com raio de 10 metros ao redor do alvo.
Aqui vem o primeiro erro das supostas análises do “erro das bombas israelenses” – o fato de se usar PGM não significa que as “bombas inteligentes” vão atingir exatamente no centro do alvo, todas as vezes, sem exceções. No vídeo em questão, as JDAM atingiram bem dentro de seu CEP de 5 a 30 metros. Falaremos sobre as JDAM mais adiante.
“Armas inteligentes” (PGM, munições guiadas de precisão) apresentam CEP menores que as “armas burras” (não-guiadas), mas também são mais caras. Países como os EUA usam uma alta proporção de PGM, enquanto muitos países, como Rússia e Brasil, usam uma proporção menor de PGM.
Embora sejam mais caras, as PGM oferecem vantagens inegáveis, especialmente para a aviação, que é muito mais limitada que as forças terrestres e navais em termos de quantas armas pode levar por missão.
GPS
Nos anos 1970, graças aos avanços da tecnologia de satélites, os EUA lançaram um programa de GNSS (sistema global de navegação por satélites), com o objetivo de fornecer capacidades PNT (posição, navegação, tempo) em qualquer lugar do globo, o Navstar, popularmente conhecido como GPS. Em 1993, com a “constelação” de 24 satélites em órbita, o GPS se tornou realmente global. Atualmente há cerca de 30 satélites operacionais.

O primeiro uso militar em larga escala do GPS foi na Guerra do Golfo em 1991. O sistema funcionou com uma eficiência magistral, o que levou outros países a buscarem suas próprias redes de GNSS e também a negar seu uso pelos seus potenciais inimigos.
Nenhuma das outras “constelações” de GNSS terá a mesma cobertura global do Navstar, com a maioria se restringindo a uma cobertura melhor do próprio país ou da região em que o país se localiza.
- Rússia: GLONASS
- China: BeiDou
- Europa: Galileo
- Índia: IRNSS / NavIC
- Japão: QZSS
Entretanto, há dúvidas sobre o funcionamento do GLONASS, com vários relatos de aeronaves russas usando sistemas comerciais de GPS ao invés do GLONASS.

JAMMING (INTERFERÊNCIA) EM SINAIS DE GPS
Há relatos de que ocorre jamming em sinais de GPS no mínimo desde 2017, com a Rússia interferindo em sinais de GPS na região da Síria, inclusive em Israel, no mínimo desde 2019.

Entretanto, os EUA investem em tecnologias anti jamming de GPS já tem bastante tempo, e atualmente dispõem de várias alternativas ao GPS. O principal uso de GPS entre os militares é o de auxiliar os INS (sistemas de navegação inercial), que atualmente são extremamente precisos.
O GPS também se tornou mais resistente ao jamming devido ao uso de sinais criptografados, como o L5 civil e o M-Code militar.
O jamming de GPS é de fato um problema para a navegação civil, que por vezes não dispõe de alternativas aos GNSS, e por isso há diversos trabalhos neste sentido.
INS
Antes do GPS, um dos principais meios de orientação das PGM era o INS (sistema de navegação inercial) – por exemplo, as V-1 e V-2 alemãs que atingiram alvos na Inglaterra com alguma precisão eram guiadas por INS.
O INS mede a posição inicial do IMU (unidade de medição do INS), e as mudanças de posição do sistema. Com isso, é possível saber a nova posição do sistema, com um CEP proporcional à distância percorrida, mas que podia ser tão pequena quanto 1 km após um voo de milhares de km, e por muito tempo o INS foi o sistema de orientação mais importante na aviação civil.
O INS é imune à interferência inimiga, mas sua precisão não é tão boa quanto a do GPS. A maioria dos sistemas militares emprega o EGI (INS melhorado com GPS) em que, além de suas medições costumeiras, o INS atualiza sua posição periodicamente com o GPS. Com isso, a precisão do INS aumenta muito, e sistemas como as JDAM, que usam EGI, conseguem frequentemente atingir um CEP de 5 metros.
Por algum tempo, o custo e o tamando dos EGI limitavam seu uso, mas com a evolução da tecnologia, os EGI estão se tornando cada vez mais acessíveis.

JDAM
Na época da Guerra do Golfo de 1991, os EUA estavam testando as GAM (munições auxiliadas por GPS) para os bombardeiros stealth Northrop B-2 Spirit, que juntamente com os avanços de outros programas acabaram se condensando no programa JDAM (munição conjunta de ataque direto).
A ideia central do programa JDAM é transformar “bombas burras” (não-guiadas) em “bombas inteligentes” (PGM, munições guiadas de precisão) com o uso de kits EGI.
O primeiro uso em larga escala das JDAM foi na Operação Força Aliada, contra a Sérvia, em 1999. Assim como o GPS em 1991, as JDAM funcionaram muito bem, e os EUA, atualmente, usam as JDAM como sua PGM principal, devido à boa precisão e ao custo relativamente reduzido.
As JDAM foram concebidas, desde o começo, para ser imunes à interferência inimiga, por isso o uso de EGI e não de GPS somente. As JDAM tem um CEP de 5 metros com sinal de GPS, e de 30 metros apenas com INS. Embora 30 metros pareça um valor alto para CEP, as bombas usadas nos kits geralmente apresentam raio letal bem maior que esses 30 metros; a Mk84 usada nas GBU-31 JDAM lançadas pelos F-35 israelenses apresenta um raio letal de 360 metros.

No vídeo que supostamente mostra a “falha” das JDAM, pode-se observar que as bombas de fato caíram a cerca de 5 metros dos alvos, e certamente bem abaixo dos 30 metros de um ataque sem o apoio de GPS.
F-35
O F-35 vem sendo alvo de inúmeras críticas ao longo dos anos. Enquanto muitas destas críticas de fato eram relevantes por algum período, poucas delas se sustentam na atualidade, inclusive os custos e a disponibilidade. Uma delas se refere à suposta vulnerabilidade da alta tecnologia embarcada à interferência contra o GPS ou a comunicações.
Entretanto, o que muitos destes críticos (alguns dos quais alegadamente entendem, ou deveriam entender, de assuntos de Defesa) “convenientemente” se esquecem é que ninguém é mais desconfiado e avesso a problemas que os militares.
O programa F-35 não é exceção, e já dispõe de sistemas anti jamming de GPS. Ainda que tais sistemas falhem, os militares treinam regularmente para situações em que o jamming torna o GPS inutilizável.

FAKE NEWS SOBRE O JAMMING RUSSO AOS SINAIS DE GPS
Conforme apontamos em um artigo, os russos costumam “exagerar” nas suas capacidades, mas a realidade é outra. Por exemplo, os “temíveis” S-400 russos não estão conseguindo segurar os ataques ucranianos com HIMARS.
Embora os russos de fato estejam fazendo jamming de GPS, e isso esteja prejudicando as operações de voo civis israelenses, parece que os militares israelenses estão sabendo lidar bem com a situação.
Uma prova de que o jamming russo não é tão eficiente contra as IDF (Forças de Defesa de Israel) como o propalado pode ser constatado pelo fato de que, durante a Operação Guardião das Muralhas em maio de 2021, Israel conseguiu derrubar dois prédios com o uso de JDAM, um dos quais aparece no vídeo abaixo.
Outro ponto que merece destaque é o excelente desempenho do HIMARS (sistema de alta mobilidade para lançamento múltiplo de foguetes) e seus mísseis GMLRS, que são guiados por EGI.

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