ISRAEL X HIZBALLAH: A SEGUNDA GUERRA DO LÍBANO (2006)

Durante 34 dias em 2006, Israel e o Hizballah (‘Partido de Alá’, também grafado Hezbollah), organização classificada como terrorista em vários países do mundo, se enfrentaram em uma guerra extremamente intensa. Até hoje, esta guerra tem grande influência sobre as IDF (Forças de Defesa de Israel). Desde a Guerra do Yom Kippur de 1973 que Israel não via uma guerra de tamanha intensidade.

Esta guerra foi a primeira, nas 6 décadas das IDF, em que ela não pode declarar uma vitória clara, embora boa parte dos seus objetivos traçados para a guerra tenham sido alcançados. Os motivos desta, por assim dizer, modesta performance são vários, e este artigo vai tratar principalmente dos motivos relacionados ao poder aéreo. A IAF (Força Aérea Israelense) lutou com muita intensidade nesta guerra, mas os resultados não foram os esperados.

Esta guerra demonstra que superioridade tecnológica e militar não se traduz, necessariamente, em vitórias inquestionáveis. Demonstra também que começar uma guerra é fácil, mas terminar nem sempre é; duração, custos e consequências são totalmente imprevisíveis.

Este artigo vai começar a análise por três outras guerras que influenciaram profundamente a guerra de 2006: A Primeira Guerra do Líbano (1982-2000), Operação Tempestade no Deserto (1991) e Operação Força Aliada (1999).

Primeira Guerra do Líbano: 1982-2000

A OLP (Organização para Libertação da Palestina) era um grupo palestino, liderado por Yasser Arafat, acusados de comandar inúmeros ataques terroristas contra Israel, e estava realizando diversos ataques contra Israel desde a Guerra dos Seis Dias. A OLP foi rapidamente expulsa de Israel e se refugiou na Jordânia que, na época, já contava com uma grande população de palestinos. Entretanto, em 1970, durante o ‘Setembro Negro’, a OLP tentou dar um golpe de estado. Derrotada, a OLP foi expulsa da Jordânia e se refugiou no Líbano em 1971.

A OLP não parava de realizar ataques contra Israel, nem mesmo quando estava em outros países. Isso resultou em diversos ataques israelenses contra alvos nestes países, à semelhança do que vemos hoje na Síria em relação a alvos iranianos e do próprio Hizballah, do qual falaremos em breve.

A OLP seguia atacando incessantemente, e em 1982 um grupo ligado a eles, as Brigadas Abu Nidal, fizeram um ataque contra o embaixador de Israel em Londres, Shlomo Argov, que sobreviveu por um triz.

Uma sequência de eventos levou Israel a invadir o sul do Líbano em 1982, numa longa guerra civil que envolveu também a Síria, e que durou até o ano 2000.

Um tanque Merkava 1 israelense no Líbano, 1982, logo após ter sido atingido, provavelmente por uma arma da classe do RPG-7. (Wikipedia)

O Hizballah é um grupo terrorista muçulmano que surgiu no Líbano em 1986, sob orientação iraniana, inicialmente com o objetivo de expulsar os israelenses do país. No ano 2000, após muito sangue e tesouro, Israel saiu do sul do Líbano, num processo mediado pela ONU, que também definiu as fronteiras entre os dois países.

A divisão efetuada pela ONU, e acordada por Israel e Líbano, acabou por passar para Israel uma região conhecido como ‘Fazendas Shebaa’, que são muito importantes por estarem em terreno elevado. Sob o pretexto de não concordar com a permanência das ‘Fazendas Shebaa’ sob domínio israelense, o Hizballah recusou se dissolver. Pelo contrário – com o auxílio iraniano crescendo cada vez mais, o Hizballah começou a se engendrar no assistencialismo e na política, e atualmente é um dos principais partidos políticos libaneses. O fato de que a saída israelense foi muito mal planejada e executada ajudou muito, criando um ‘vácuo de poder’ que foi rapidamente preenchido pelo Hizballah.

Operação Tempestade no Deserto: 1990-1991

Em 1990, depois da terrível guerra contra o Irã, o Iraque estava arruinado em várias dimensões, especialmente a financeira. O ditador Saddam Hussein invadiu o Kuwait em agosto de 1990, e passou a ameaçar a Arábia Saudita.

O Presidente George Bush, em uma jogada diplomática extremamente habilidosa, conseguiu costurar uma enorme coalizão de países ocidentais e árabes contra o Iraque.

A Operação Tempestade no Deserto foi um tremendo sucesso: o Iraque, que na época tinha provavelmente as melhores FFAA (Forças Armadas) da região, foi derrotado em pouco mais de 40 dias, entre 17/01/1991 e 28/02/1991.

Caças F-15 e F-16 da USAF sobrevoando campos incendiados sobre o Iraque, em uma das fotos mais icônicas da Tempestade no Deserto (Fonte: USAF)

Esta foi a primeira grande guerra após a Guerra Fria, e várias tendências foram lançadas naquela guerra:

  • Uso maciço de PGM (armas guiadas de precisão, ou ‘armas inteligentes’), incluindo mísseis de cruzeiro de longo alcance com ogivas convencionais
  • Uso de GPS para navegação, e demonstração de sua viabilidade como sistema de orientação de armas
  • Uso de aeronaves stealth em ambientes contestados
  • Pelo lado iraquiano, uso intenso de mísseis balísticos, o que não acontecia desde a Segunda Guerra Mundial

Com exceção de aeronaves stealth, que Israel só veio a operar a partir de 2017, na forma do F-35A/I, as demais tendências foram muito importantes na guerra de 2006.

Operação Força Aliada: 1999

Quando a guerra civil que seguiu à dissolução da Iugoslávia atingiu níveis críticos, a OTAN enviou uma força de coalizão para dar apoio aos guerrilheiros que lutavam pela independência de Kosovo, numa operação curta mas de enorme intensidade, que ocorreu entre 24/03/1999 a 02/06/1999.

Na Operação Força Aliada, além do uso intenso e quase exclusivo de PGM (disparados tanto por aeronaves quanto por navios) e de aeronaves stealth, que já tinham acontecido na Tempestade no Deserto, a OTAN não enviou tropas terrestres, com exceção de operações isoladas de forças especiais. Isso não quer dizer que não houve guerra terrestre – ela aconteceu e foi muito intensa, mas quem lutou nela foram os guerrilheiros pró Kosovo, não tropas regulares da OTAN.

F-16 da USAF decolando a partir da Base Aérea de Aviano, Itália, para uma missão SEAD (Supressão das Defesas Inimigas). Os sérvios foram muito mais eficientes na utilização das defesas antiaéreas que os iraquianos, ao ponto de conseguirem abater um F-117 stealth (USAF)

Preâmbulo da Guerra do Líbano de 2006

A Operação Força Aliada foi um marco da guerra aérea moderna, e teve grande influência sobre o Cmt (Comandante do Estado Maior das IDF), Tenente-General Dan Halutz. Halutz foi o segundo membro das IAF, e o primeiro com histórico de aviador, a comandar as IDF; assumiu o comando em 2005 e saiu em 2007.

À época da Segunda Guerra do Líbano, em 2006, o Hizballah já era mais poderoso que as tradicionalmente fracas FFAA libanesas, e um ator importante na política libanesa, tendo inclusive dois ministros no governo. Além de ações terroristas, o Hizballah também tinha uma respeitável força terrestre, principalmente na forma de artilharia de foguetes; alguns destes mísseis tem alcance suficiente para cobrir quase todo o território israelense.

Tabela 1. Principais foguetes usados pelo Hizballah na guerra de 2006

TipoCalibre (mm)Ogiva (Kg)TotalAlcance (km)
Katyusha-110710454
Falaq-12405011110
Falaq-233312025510
Type-81122?4520
Katyusha-2122207540
Fajr-32404540743
Raad-22205028070
Fajr-53339091575
Khaibar-1302150750100
Zelzal-16106002950160
Zelzal-26106003400210

Observe-se que são projéteis com considerável poder destrutivo e, de fato, causaram enormes estragos em Israel.

Mapa indicando alcance aproximado de alguns dos foguetes do Hizballah. Observe-se que os Zelzal 2, com alcance aproximado de 210 km, pode alcançar praticamente qualquer lugar em Israel, com exceção do Deserto do Negev (que é pouco povoado) e a Faixa de Gaza (que Israel já tinha abandonado em 2005) (Lambeth, 2011)

Uma série de ações agressivas de ambos os lados, culminando com a captura de dois soldados israelenses na manhã de 12/06/2006, levou a uma guerra que duraria um total de 34 dias, terminando com 121 mortos e 1244 feridos nas IDF, 46 civis israelenses mortos e 1384 feridos, além de mais de 1200 civis libaneses mortos e mais de 4400 feridos.

Convém aqui uma explicação sobre o alistamento das IDF para entender o porquê desta resposta tão vigorosa quanto ao sequestro de ‘apenas dois militares’.

Israel é um país pequeno, com pouco mais de 22 mil km² de área e menos de 9 milhões de habitantes, mas é cercado de inimigos, em sua maioria árabes muçulmanos. O alistamento é obrigatório para homens e mulheres, e dura 3 anos (algumas categorias religiosas são isentas da obrigação, como os muçulmanos e judeus ortodoxos).

Como resultado deste amplo alistamento, e dada a incessante operação das IDF, boa parte das famílias tem seus jovens no serviço ativo ou já teve membros da família que serviram, e muitos também já perderam familiares feridos ou mortos em ação. Desta feita, sempre há comoção, por vezes a nível nacional, quando soldados são feridos, mortos ou sequestrados.

Isso leva a que muitos comandantes militares tenham verdadeira ojeriza à perda de soldados sob seu comando, e a que políticos evitem tais perdas a todo custo.

A resposta israelense não demorou: menos de 24 horas após o sequestro dos dois soldados, a IAF lançou mais de 100 ataques contra o Líbano, destruindo centros de comando e pontes.

Ataques de longo alcance através da Marinha e do Exército logo seguiram aos da IAF. Os números impressionam: a IAF lançou quase 12 mil surtidas, além de 170 mil ataques de artilharia do Exército e mais 2500 ataques a partir de navios. Estes números superam inclusive os da Guerra do Yom Kippur, que foi uma das maiores guerras de Israel.

A IAF sabia do perigo dos mísseis do Hizballah, e estava particularmente preocupada com os Zelzal 1 e 2, as armas de maior alcance e poder destrutivo. Seis anos de inteligência foram consumados num ataque extremamente intenso, de 34 minutos, a Operação Densidade, uma das primeiras ações da guerra. Estima-se que 59 TEL (veículos lançadores) foram destruídos, juntamente com algo entre ½ e ⅔ dos mísseis.

“Destruímos todos os mísseis de longo alcance. Vencemos a guerra!”, Halutz teria dito ao alto comando político de Israel.

Nada poderia estar mais longe da verdade.

O grande erro de Halutz foi subestimar o estado de preparo do Hizballah, especialmente sua artilharia de foguetes. O Hizballah fez chover sobre Israel uma média de mais de 100 foguetes por dia ao longo de todo o conflito, num total que possivelmente ultrapassou os 4200, 90% dos quais eram Katyushas de 122 mm.

‘Apenas’ uns 1000 destes foguetes atingiram zonas habitadas, o que praticamente paralisou o norte de Israel, levando mais de um milhão de pessoas a interromperem suas atividades cotidianas.

Este enorme contingente de pessoas, por sua vez, pressionaram fortemente os políticos a aumentarem a intensidade da guerra, coisa que tanto os políticos como os militares resistiram muito a fazer, dadas as questões mencionadas anteriormente.

Mas conforme a pressão sobre a população civil aumentava, também aumentava a pressão sobre o alto comando. Com isso, Israel demorou bastante para enviar tropas terrestres, e os combates terrestres só começaram no dia 20 de julho, ou seja, mais de uma semana após as IDF terem confiado apenas em ataques com PGM a partir de aeronaves, navios e peças de artilharia.

Embora os ataques de longo alcance tenham sido extremamente intensos, e tenham sido altamente destrutivos contra a infraestrutura libanesa, seus resultados contra o Hizballah foram bastante limitados, por uma série de motivos.

Portas duplas anti-explosão, fotografadas após a captura de um bunker subterrâneo do Hizballah (Lambeth, 2011)

Em primeiro lugar, conforme mencionado antes, o Hizballah estava muito bem preparado para a guerra. O alto comando do grupo estava altamente protegido em bunkers subterrâneos muito avançados e reforçados. Estes bunkers geralmente se localizavam em áreas densamente povoadas, o que por sua vez restringia as opções das IDF. As entradas destes bunkers geralmente eram tão bem camufladas que, mesmo com tropas em terra, era muito difícil localizá-las.

Entrada de um bunker em uma ‘reserva ecológica’. Observe-se como a camuflagem é muito bem executada (Lambeth, 2011)

Em segundo lugar, embora Israel tenha realmente causado sérios danos aos lançadores dos mísseis maiores, seus ataques pouco ou nada fizeram contra os lançadores de projéteis menores, como os Katyusha.

Alguns deles podem ser transportados e disparados até mesmo por soldados a pé, e o Hizballah também usou e abusou de escudos humanos, lançando os ataques a partir de estruturas civis, até mesmo de dentro das casas. Some-se a isto o fato de que o Hizballah não tinha o menor pudor de camuflar veículos lançadores como veículos civis, e chega-se a um quadro extremamente complexo em que apenas soldados no terreno conseguiam identificar tais armas – e em alguns casos, mesmo assim era complicado encontrar tais lançadores.

Lançador fixo acionado pneumaticamente, contendo 10 tubos lançadores de Katyushas (Lambeth, 2011). Este lançador era operado a distância, e sua excelente camuflagem tornava impossível localizá-lo antes do disparo.
Lançador móvel disfarçado como um caminhão comum (Lambeth, 2011). Como ‘separar o joio do trigo’?

Nem é preciso dizer o quanto era perigoso para os soldados entrarem em locais bem preparados pelo inimigo, com armadilhas, explosivos, emboscadas e snipers para todos os lados, e o resultado disso foi um número de baixas bastante elevado para os padrões israelenses.

Terceiro, embora muitas das casas de Israel tenham abrigos contra ataques como os de Katyushas, o curto tempo de voo dos projéteis dava poucos segundos de alerta. Como consequência, muitas pessoas passavam seus dias dentro dos abrigos, ou muito perto deles, inviabilizando as atividades econômicas e causando um pesado impacto na economia.

Quarto, as tropas terrestres não foram liberadas para utilizar todo o seu poder de fogo contra o Hizballah, confiando em demasia na movimentação de blindados mesmo em terrenos inadequados como ravinas. Pra piorar, os blindados não eram acompanhados por infantaria, o que levou a diversas situações em que os tanques ficaram vulneráveis a ataques por armas antitanque e IED (dispositivos explosivos improvisados).

Some-se a isto o fato que o Hizballah dispunha de armas tão avançadas como os mísseis Kornet e o resultado foi que 52 tanques Merkava foram atingidos; 22 tiveram suas blindagens penetradas e 5 foram destruídos. Dos que foram penetrados, 20 puderam ser reparados e 2 tiveram que ser desativados.

Quinto, atestando que o Hizballah realmente é muito bem equipado e treinado, logo no começo da guerra, no dia 14 de julho, a corveta INS Hanit foi atingida por um míssil antinavio, provavelmente um C-802 chinês (baseado no Exocet). 4 marinheiros morreram. O navio conseguiu voltar ao porto de Ashdod com suas próprias forças, foi reparado e segue ativo na Marinha de Israel, tendo inclusive participado no raid de 2014 que interceptou o navio Klos C, que carregava armas iranianas para o Sudão, contrariando sanções da ONU.

Sexto, o uso indiscriminado de escudos humanos por parte do Hizballah atingiu níveis nunca antes vistos, graças ao advento das redes sociais. Incidentes como o de Qana, em 30/07, quando 28 civis foram mortos e outros 8 feridos num dos ataques aéreos que tentavam parar a chuva de Katyushas que assolavam Israel, aumentaram enormemente a pressão contra o alto comando israelense. A pressão internacional para um cessar-fogo também foi enorme.

A sensibilidade de democracias como a israelense a tais eventos é utilizada, repetidamente, por grupos terroristas como o Hamas e o Estado Islâmico, que passaram a adotar os escudos humanos como parte essencial de suas estratégias.

Por fim, e conforme seria comprovado mais tarde pelo ‘Relatório Winograd’, a grande verdade é que Israel estava muito mal preparado para uma guerra que sequer deveria ter acontecido. O alto comando político e o alto comando militar cometeram diversos erros ao longo da guerra, e seriam duramente repreendidos pelo Relatório.

A única observação positiva que se pode fazer a respeito da guerra foi a eficiência da IAF em atacar seus alvos, inclusive alvos de oportunidade, e a elevada precisão das PGM israelenses, que foram usadas em grande número pela primeira vez numa guerra.

Comissão de inquérito sobre os eventos de envolvimento militar no Líbano em 2006

Israel tem o costume de estabelecer uma Comissão de Inquérito, com poderes semelhantes aos de uma CPI, após cada grande operação militar. Tais comissões, geralmente presididas por altos funcionários do governo já aposentados (portanto são teoricamente isentos), tem acesso irrestrito a dados e documentos, inclusive ultra-secretos, relacionados à guerra. Ao final dos trabalhos, a Comissão publica dois relatórios com recomendações para sanar as falhas detectadas nas investigações, um público e outro confidencial, dirigido apenas ao Governo de Israel e às IDF.

Embora tais Comissões não tenham caráter legal punitivo são influentes o bastante para alavancar ou afundar carreiras mesmo de militares de alta patente, e são fundamentais para que a IDF atualize procedimentos para ações futuras.

No caso da guerra de 2006, a ‘Comissão de inquérito sobre os eventos de envolvimento militar no Líbano em 2006’ foi presidida pelo juiz aposentado Eliyahu Winograd, que inclusive já tinha sido membro da Suprema Corte de Israel, e por isso é amplamente conhecida como ‘Relatório Winograd’. A versão final do Relatório foi publicada em 2008, mas recomendações dele, além do ‘auto aprendizado’ das IDF, já estavam sendo adotadas na época.

Winograd foi extremamente duro tanto contra o alto comando militar como contra o alto comando civil israelense, e levou a profundas mudanças de procedimentos, treinamentos e diretivas no desenvolvimento e aquisição de futuros sistemas de armas.

WInograd criticou duramente a falta de ímpeto nas decisões políticas. Criticou também o excesso de confiança das IDF nos ataques aéreos, o treinamento deficiente da Marinha no incidente do INS Hanit, e nas movimentações erráticas e mal coordenadas dos blindados e infantaria do exército. Enfim – todo mundo foi duramente repreendido pelo Relatório.

O Relatório reserva sua primeira crítica à própria decisão de começar a guerra. Destaca que outras opções deveriam ter sido analisadas, principalmente porque o comando militar e o comando político começaram a guerra sem terem concordado sobre quais seriam os objetivos das ações militares. Esta falta de pensamento estratégico, somada à falta de alternativas oferecidas pelas IDF, além do treinamento e doutrinas consideradas ultrapassadas e/ou inadequadas, levou a que as ações militares demorassem a se adaptar à realidade no terreno, contrariando uma tradição israelense de se adaptar rapidamente à fluidez característica da guerra moderna.

Os principais culpados por estas falhas foram o PM (Primeiro Ministro) Ehud Olmert, MinDef (Ministro da Defesa) Amir Peretz e o Cmt Halutz, ou seja, a alta cúpula política e militar israelense, como era de se esperar em análises bem feitas.

Seguem dois parágrafos do Relatório. Observe-se a dureza das acusações:

O alto governo de Israel falhou em sua função política de assumir total responsabilidade por suas decisões. Não explorou e buscou a resposta adequada para várias reservas que foram levantadas, e autorizou um ataque militar imediato que não foi bem pensado e sofreu de confiança excessiva no julgamento dos principais tomadores de decisão.

Os membros do Comando Geral das IDF que estavam familiarizados com as avaliações e informações sobre o front do Líbano, e as sérias deficiências na preparação e treinamento, não insistindo que estas devessem ser consideradas dentro das Forças Armadas, e não alertaram os líderes políticos sobre as falhas nas decisões e na forma como foram feitas.

16. Como resultado de nossa investigação, fazemos uma série de recomendações estruturais e institucionais, que requerem atenção urgente:

a. A melhoria da qualidade das discussões e tomada de decisões dentro do governo através do fortalecimento e aprofundamento do trabalho dos funcionários; aplicação estrita da proibição de vazamentos; Melhorar a base de conhecimento de todos os membros do governo sobre questões centrais dos desafios de Israel e procedimentos ordenados para a apresentação de questões para discussão e resolução.

b. Incorporação integral do Ministério das Relações Exteriores em decisões de segurança com aspectos políticos e diplomáticos.

c. Melhoria substancial no funcionamento do Conselho de Segurança Nacional, o estabelecimento de uma equipe nacional de avaliação e a criação de um centro para gerenciamento de crises no Gabinete do Primeiro Ministro.

O relatório termina de maneira mais filosófica e religiosa, refletindo a grande importância do judaísmo em Israel, assim como o cristianismo é importante no Brasil.

18. Vamos adicionar alguns comentários finais: O governo levou até março de 2007 para nomear os eventos do verão de 2006 “A Segunda Guerra do Líbano”. Após 25 anos sem guerra, Israel viveu uma guerra de um tipo diferente. A guerra trouxe de volta ao centro algumas questões críticas que partes da sociedade israelense preferiam evitar. [Nota do tradutor: o judaísmo segue o calendário lunar, não o gregoriano, por isso Winograd fala 25 e não 24 anos]

19. As IDF não estavam prontas para esta guerra. Entre as muitas razões para isso, podemos mencionar algumas: Algumas das elites políticas e militares em Israel chegaram à conclusão de que Israel está além da era das guerras. Tinha poder militar e superioridade suficientes para impedir que outros declarassem guerra contra ela; estes também seriam suficientes para enviar um doloroso lembrete a qualquer um que parecesse não ser dissuadido; Como Israel não pretendia iniciar uma guerra, a conclusão era que o principal desafio enfrentado pelas forças terrestres seria a baixa intensidade de conflitos assimétricos.

20. Dadas essas suposições, a IDF não precisava estar preparada para uma guerra “real”. Também não havia necessidade urgente de atualizar de forma sistemática e sofisticada a estratégia geral de segurança de Israel e considerar como mobilizar e combinar todos os seus recursos e fontes de força – política, econômica, social, militar, espiritual, cultural e científico – para abordar a totalidade dos desafios que enfrenta.

21. Acreditamos que – além da importante necessidade de examinar os fracassos de conduzir a guerra e a preparação para ela, além da necessidade de identificar as fraquezas (e pontos fortes) nas decisões tomadas na guerra – estas são as principais questões levantadas pela Segunda Guerra do Líbano. Estas são questões que vão muito além do mandato desta ou daquela comissão de inquérito; são as questões que estão no centro de nossa existência aqui como um estado judeu e democrático. Seria um erro grave se concentrar apenas nas falhas reveladas na guerra e não abordar essas questões básicas.

Esperamos que nossas constatações e conclusões no relatório provisório e no relatório final não apenas impulsionem as graves falhas e falhas governamentais que examinaremos e exporemos, mas também levará a um processo renovado em que a sociedade israelense, e sua política e os líderes espirituais aprenderão e explorarão as aspirações de longo prazo de Israel e as maneiras de promovê-las.

A honestidade brutal, típica dos israelenses, está mais do que expressa neste Relatório.

Além do ‘sacode’ político, o Relatório Winograd levou as IDF a mudarem profundamente suas doutrinas, procedimentos e treinamentos. Deficiências como a falta de defesas anti-mísseis de curto alcance e defesas ativas contra armas anti-tanque foram sanadas com as chegadas, respectivamente, do Iron Dome e do Trophy.

A validade do Relatório, e do ‘auto aprendizado’ das IDF pode ser conferida já na Operação Chumbo Fundido (27/12/2008-18/01/2009), uma guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza. 

Além dos ataques aéreos, Israel logo realizou um eficiente ataque com tropas em terra não perdeu nenhum CC, e o impacto dos mais de 750 foguetes disparados foi muito menor do que o esperado. As IDF tiveram apenas 10 soldados mortos e 336 feridos, e entre os civis israelenses as baixas também foram muito menores: 3 mortos e 182 feridos.

O mais triste em toda essa história é que o Hizballah aumentou ainda mais seu poderio e sua influência. Hoje em dia ele é um dos principais partidos políticos no Líbano, se não o principal, e seu arsenal de foguetes, hoje, pode passar de 150 mil.

Some-se a isto o fato que Israel, hoje, é muito mais bem armado que em 2006 e podemos concluir que a inevitável ‘Terceira Guerra do Líbano’ será consideravelmente mais sangrenta que a Segunda.

Fontes:

Air Operations in Israel’s war against Hezbollah: Learning from Lebanon and getting it right in Gaza’, de Benjamin S. Lambeth. RAND Corporation, 2011

NATO’s Air War for Kosovo: A Strategic and Operational Assessment’, de Benjamin S. Lambeth. RAND Corporation, 2001

Missiles and Rockets of Hezbollah

DESERT STORM: Precision Guided Munitions

A look back at Desert Storm, 25 years later

1999 – Operation Allied Force

Resumo executivo (em inglês) da Comissão Winograd

IMAGEM DE CAPA: elemento de caças Boeing F-15I Ra’am, um dos principais caças táticos da IAF na época e até os dias de hoje (Wikipedia).


Por Renato Henrique Marçal de Oliveira – Editor do Canal Militarizando e Autor. Químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os dez anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).

E-mail: renato.oliveira@canalmilitarizando.com

Um comentário sobre “ISRAEL X HIZBALLAH: A SEGUNDA GUERRA DO LÍBANO (2006)